Os Homens Brasileiros

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Traduzido por Rosalia Cunha. Para inglês (escrito 30 Sep 2010, clique aqui.)

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Não sei muito sobre os homens brasileiros além do que vejo pelas ruas de Nova York ou enchendo os bares durante a Copa do Mundo. O que sei sobre o assunto é o que aprendi até agora com minha família aqui no Brasil e no exterior. Tudo que sei é que ainda tenho muito que aprender.

É uma linha tênue: Dentro do contexto particular da minha fé, sou ensinada a seguir o caminho do Espírito, e não o da sensualidade. No entanto, em quase todas as minhas interações sociais, eu ainda dependo a linguagem corporal, de expressões faciais, e outros sinais não verbais para me comunicar e interagir com os outros. Acrescente a isso o jeitinho brasileiro: A celebração do belo e audacioso, uma cultura de toques e abraços, da comunicação despreocupada, de confortar através do contato físico. Por sua própria flexibilidade de vocabulário e gramática, a língua que falam facilmente mescla (ou confunde) intimidade e imediatismo, o que apresenta inúmeras oportunidades de tropeçar ou escorregar.

Ouço expressões, escuto conversas, e então me pego perguntando: O que ele quis dizer com isso? Quando ela disse algo a respeito dele, aquilo significava que eu pensei que significava? O que significa essa palavra? Quer dizer, o que isso significa agora? E como faço para responder sem parecer estúpida, maldosa ou insensível? Volto-me para minhas sábias conselheiras e boas intérpretes (leia-se as inteligentes mulheres brasileiras) em busca de ajuda para entender o que está acontecendo. Oro muito, ouço, respondo e vejo o que acontece.

Não posso imaginar como era para meu pai. Considerando sua criação impassível: infância em uma fazenda em Washington, os pais de origem anglo-suíça, seus estudos universitários nas salas de lógica da engenharia elétrica, sua experiência militar e as suas expectativas de uma disciplina rigorosa. E além de tudo, ele não sabia a língua nada bem! Como ele fez para conseguir ao menos começar a se relacionar com esta gente, ainda mais quando o relacionamento evoluiu? Eu gostaria de poder voltar no tempo e ser uma mosquinha na parede pra poder ver como tudo aconteceu… que interessante aquele tempo deve ter sido! Sei o que os pais de meu pai eram afetuosos e delicados, mas de tipo contido, pragmático e reservado. Ele deixou sua casa numa pacata cidadezinha  no campo, e viajou para o  intenso calor do equador, um calor que derrete… E no “maior abraço da terra”,  minha mãe, sua família e toda sua cultura abriram-lhe os braços.

Ele me descreveu uma dessas primeiras interações, um dos momentos mais engraçados. Foi numa das primeiras vezes em que ele foi até a casa de mamãe para conhecer sua família. Ele estava sentado com ela na sala, e para qualquer outro homem que entrava na sala, minha mãe dizia, “Esse é meu irmão… Ah, e esse é meu irmão… e esse é meu irmão…”

Eu amei reunião irmãos de minha mãe. Eles comentaram sobre como me pareço com sua irmã, todos eles choraram quando me viram pela primeira vez e, novamente, quando eu saí. É como uma brincadeira de família o quanto meus tios são emotivos e como choram mais que suas esposas.

O tio com quem passei mais tempo com foi Tio Nivaldo, o irmão mais velho. Nivaldo é calvo, os cabelos já brancos e um sorriso maravilhoso e aberto semelhante ao de um Papai Noel. Na sua foto no álbum de casamento de minha mãe, ele parece um cruzamento entre Sean Connery e Kevin Spacey. Agora está mais parecido com Burl Ives. Sua voz é áspera e ele pronuncia as frases bruscamente, como se fossem uma série de latidos ásperos e de certa forma medidos. Assim como com tia Leda, demorou um tempo para eu compreender o seu Português, embora, eventualmente, eu tenha pego o jeito dela.

Tio Nivaldo tem um ótimo senso de humor e gosta de provocar. Aleatoriamente e de forma divertida, quando eu esperava que ele dissesse, “Boa noite” ou “Muito Obrigado”, ele declarava: “Good night!” ou “Thank you very much!”. Ele fazia isso de uma forma que demonstrava sabia como dizer aquilo em Inglês, bem como sabia o quanto ele era engraçado ao fazê-lo.

Certa manhã, eu pedi à cozinheira para fazer ovos mexidos com tomate e cebola para o café da manhã. Tio Nivaldo quase cuspiu a torrada, de tão chocado. Ele falou pra tia Leda sobre isso, falou pro meu primo, falou pro empregado… Mas poucos minutos depois, vendo como eu adicionava molho de pimenta àquele prato estranho, ele brincou: “Por que você não coloca milkshake, também?” Quando lhe ofereci que esperimentasse, ele riu e balançou a cabeça dizendo: “Nao SEM o milkshake não!”

É interessante comparar as lembranças de quando estive lá recentemente àquelas de quando era criança, no início dos anos 80. Lembro-me de Nivaldo da época anterior: Seus cabelos eram cor de prata, era mais magro, tinha menos rugas e eles viviam em uma casa mais barulhenta. De seu irmão mais novo, Tio Aluisio, também me lembro claramente naquela época: os olhos escuros, a pele curtida do sol, o sorriso sonolento, a fala arrastata e nasal; seu jeito relaxado na mesa de jantar depois de muita comida e vinho; ele dançando comigo na minha festa de aniversário. Os bons momentos que teve na juventude estão lentamente lhe alcançando. Ele agora precisa estar mais atento à sua dieta, mas não é muito bom nisso.

Logo no início, quando tia Linda me ajudava a planejar a viajem, tio Aluísio se juntou a nós numa chamada de Skype. Seu rosnado baixo se arrastava pesadamente pelos alto-falantes de meu computador no tom monótono de um ex-fumante, um astro de rock envelhecido. Eu não entendi uma única palavra do que ele disse, mas fiquei muito feliz por tentar.

Estes dois tios me perguntaram a respeito de minha fé. Eu realmente não e esperava por isso. No começo eu pensei que era apenas por curiosidade, mas logo percebi a família estava preocupada com esta religião estranha em que fui me meter. Em um churrasco na casa de praia da Bete, Tio Aluisio discretamente perguntou se eu rezava para os santos católicos. Eu disse que não, explicando o que eu sei sobre como “santo” é definido nas Escrituras. Ele aquiesceu, mas não discutiu minha resposta. Como seu rosto estava coberto com grandes óculos escuros e um boné de jornaleiro cáqui, era difícil dizer se ele entendeu e muito menos se concordou com o que eu disse. Mas ele pareceu levar minha resposta bastante a sério.

O irmão mais novo de mamãe é Tio Raul. Ele tem um sorriso doce e a natureza gentil. Na viajem anterior, lembro-me de ir sua casa numa zona rural fora da cidade. Lembro-me das galinhas salpicadas de preto e branco, dos pintinhos amarelos e fofinhos, e dos lagartos marron-claros dançando entre os arbustos secos. Desta vez, eu o vi muito rapidamente, quando ele parou na casa de tia Leda por alguns minutos na ida para o trabalho. Só houve tempo para um abraço, olhar nos olhos um do outro, abraçar de novo e dizer adeus. Não foi suficiente.

Acho que se vivesse mais perto da família da minha mãe, meu pai e seus cunhados se tornariam bons amigos. Imagino que foi assim para meu pai no começo: Eles o tornaram parte da família. O que eu sei é que quero uma amizade mais íntima com meus primos. Neste momento, penso particularmente nos sobrinhos de minha mãe.

Penso em meu primo Kleber, cheio de energia, os olhos arregalados de interesse, fazendo muitas perguntas sobre a cultura e o estilo de vida americanos, e sobre o que eu penso do Obama. Quando enchi meu prato de saladas verdes no self service em Mangai, ele ficou admirado. Pelo que viu em suas viagens aos EUA, ele pensou que todos os americanos só comiam sanduíches, pizza e batatas fritas. E tem o Carlinhos – em minha visita anterior, ele estava morando na casa de meus avós e então, me levava a toda parte, pelas ruelas de pedra esburacadas de Natal a bordo de seu fusca “azul calcinha.” Desta vez, ele me levou para ver a parte velha, a zona histórica da cidade, me mostrando a arquitetura dos prédios do governo e as igrejas antigas.

Meu primo Joscelino é um amor. Lembro como eu ria com ele e minha prima Chirstima na viajem anterior e como colocava minhas presilhas de plástico cor-de-rosa em seu cabelo. Ele está bem mais rechonchudo e seus cabelos estão curtos e grisalhos, como os do George Clooney, ele insiste. Ele ainda tem o mesmo sorriso largo e o coração generoso. Ele e Christina me levaram em uma viagem de um dia inteiro no estilo nordestino, para uma tapiocaria, uma reserva natural, à Cajueiro Maior e à Barreira do Inferno.

Depois, tem o Marcelo, que eu também vi por apenas alguns minutos. Admito que as minhas memórias anteriores dele não são tão lisonjeiras – quando foi menino, ele não parecia apreciar sua little American cousin usurpando sua atenção, e eu não apreciava o seu atrevimento. Felizmente, ambos crescemos desde então, e agora temos algo notável em comum: nossa fé. Nós dois somos rebeldes religiosos, duas ovelhinhas negras fugidas do rebanho católico.

Há tantos outros… Artur, que acordou no meio da noite quando paramos para pedir sua ajuda para conseguir os vistos dos meus pais. Henrique, que me ajudou com meus planos de viagem para Ouro Preto e para o Sul. Felipe, filho de Bete, que me ajudou a conseguir as pinturas pra Dinha antes mesmo que eu estivesse pensando nesta viagem… são muitos pra mencionar aqui.

Portanto, se o título desta entrada os seduzisse com visões de cartas ao revista Cosmo, bem, nem tanto. Basta dizer que estou encontrando mais homens, mas mantendo o foco nas amizades enquanto aprendo a navegar as corredeiras verbais. Os brasileiros da minha igreja são meus amigos, mas também meus irmãos e filhos do Pai. Quando eles falam, quando socializamos, fico observando e ouvindo algo mais profundo, buscando algo mais genuino, a verdade, a força, e uma prova de fé. Sinto que isso é tudo o que preciso buscar agora.

Muitos meses atrás, eu tentei explicar a minha amiga Rita porque eu estava aprendendo Português. Ela veio com um: “Talvez você vá encontrar um brasileiro!” Nossa! Não é má idéia! Enquanto isso, tenho muitos bons exemplos do que procurar – por causa deles, saberei reconhecer um bom brasileiro quando encontrar um.

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Beijos,
Andrea

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"Os Brasileiros" by Andrea Bonifacio

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