Perfeição ou imaginação?

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Traduzido por Rosalia Cunha. Para inglês (escrito 9 Nov 2010) clique aqui.
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Um pequeno jarro de vidro soprado chegou na semana passada vindo da Costa Oeste. Trata-se de um presente do meu pai, enviado por minha mãe. Tem as cores da bandeira brasileira, claro. Eu admito que tinha maiores expectativas em relação a ele quando o soprador de vidro o estava criando: cobrindo uma bola laranja e branca de viro líquido com pedaços coloridos, soprando o fundo pra fora através de um tubo de metal com uma respiração rápida, girando uma peça arredondada em torno da base em forma de bulbo, esculpindo uma asa curva com um floreado habilidoso. Assisti ansiosamente o processo, antecipando algo igualmente quente, vibrante e divertido: um pequeno jarro de Carnaval.

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O jarro não se parece com essa imagem. Ele se parece com um jarro de vidro verde pálido com algumas manchas amarelas e brancas e uma faixa azul cobalto como alça. Não tem os matizes deliciosamente misturados ou os padrões graciosos das outras peças estocadas nas prateleiras do estúdio, e quase se parece com o trabalho de um aprendiz. Mas isso não é culpa do artista, e eu não posso reclamar: fui eu que escolhi a forma e as cores e expliquei ao artista como eu queria que ele fizesse. Eu tinha uma imagem em mente, algo imaginado mas que ainda não havia sido testado. Eu planejei o Antes e visualizei o Depois, não discernindo o processo: Aquecer, dobrar, rolar os cacos de vidro, colocar no forno, torcer com utensílios de ferro.

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Eu tinha outro sonho em meu coração: I want to speak Portuguese! Eu pedi e me foi dado, mas não estava ciente do quanto aquilo poderia mudar a mim ou o meu mundo. Eu não entendia seu valor ou o que poderia ser o resultado final.

Carnaval de Vidro

Minha última amiga próxima da igreja americana se mudou de Nova Iorque no outono passado.  Foi triste quando ela se foi, mas ainda que sabendo que era ela quem deixava a cidade, parecia que era eu quem estava no barco que navegava distanciando-se da costa.

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Sua mudança me fez repentinamente ver o quanto havia mudadoe para entender isso, sem saber, eu já estava me preparando para embarcar naquele navio há algum tempotenho aprendido novas formas de navegar e de me comunicar, a estocar provisões, mapas, ferramentas. Encontrei o capitão e a tripulação. Achei meu o meu posto e meu beliche. Estava pronta para partir, mas até aquele momento eu simplesmente ainda não havia sentido as tábuas do assoalho sob meus pés.

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Algumas pessoas se mudam para um país estrangeiro para mergulhar na sua língua e cultura: eu consegui quase o mesmo bem aqui, em casa. Quase todo o meu tempo livre é passado com brasileiros ou outras pessoas com raízes sul-americanas. Eu assisto A Grande Família e a poderosos pregadores no Youtube. Ouço a música de André Valadão e Gilberto Gil, configurei meu teclado com o til e o cedilha, bato papo semanalmente com Tia Linda via Skype e mantenho contacto com meus primos no Orkut. Nem mesmo Deus tem uma folgametade do tempo eu oro em uma língua, a outra metade na outra. Preciso de um passaporte só para entrar no meu próprio apartamento.

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Estou no Brasil tanto quanto eu posso sem deixar Queens; e isso está começando a me parecer normal. Eu nem sequer penso nisso: com estranhos ou amigos, entro e saio de conversas em Português com bastante confiança. Ainda estou aprendendo algumas sutilezaso modo subjectivo, os tempos imperfeitosmas em geral estou me saindo muito bem. Não é tão difícil quanto costumava ser.

"Glass Rose" by Andrea Bonifacio

A grande atração pelo Brasil não acabou, mas pelo que eu entendo de romance, este sentimento de normalidade quer dizer que algo mudou. O amor adolescente amadureceu, a montanha russa estabeleceu um curso constante, uma contínua corrente de confiança restringida por uma falta de jeito ocasional.

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Quando comecei a aprender Português, eu estava faminta por isso. Eu entrava no trem N com o volume dos fones de ouvido bem baixo, um dos ouvidos atento ao o som do Português. Quando o escutava, meu coração saltava, eu desligava a música e escutava, aprendia ouvindo às escondidas. Às vezes eu tentava falar com os estranhos. Esperava uma pausa na conversa e gentilmente começava com um papo sobre geografia. Perguntava se eram brasileiros, de que cidade eles vêm, há quanto tempo estão aqui. Mesmo que eu falasse tudo errado, eles sorriam, corrigiam e me incentivavam dizendo: “Você fala muito bem!” Apesar de todos os erros, cada experiência era uma vitória e uma confirmação de progresso.

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No entanto, agora o caminho é menos uma trilha na Adirondacks e mais um passeio pela Strip de Las Vegas. É como se eu não pudesse evitar, não posso embarcar num trem sem ouvir a lingua portuguesa em algum lugar próximo. Então me pego pensando: “brasileiros, é claro”, e muitas vezes não me preocupo em conversar com eles.

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Devo me lembrar de que não muito tempo atrás nada disso existia. Por anos, eu realmente sofri por esse dom, por essa lingua, essa família, por todo esse mundo. Eu sabia que aquilo estava faltando na minha vida e eu queria tê-lo, mas me senti impotente em preencher a lacuna mas ela agora está transbordando e de alguma forma continua a encher. Ainda assim, você pode ficar tão habituado a um presente que se esquece de que ele lhe foi dado. Se você tomar alguma coisa por certa, ela lhe pode ser tirada. Que eu nunca me esqueça de que este é um dom e que possa sempre estar ávida por fazer o que isso exigir de mim em seguida.

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Eu seria tola de pensar que fiz isso sozinhaeu tive ajuda e eu sei disso. E enquanto eu fizer a minha parte, meu Ajudante não me deixará esquecer. Afinal, há mesmo tantos brasileiros por aí que eu simplesmente nunca percebi antes? É muito estranho, dado o curso que minha vida tomou em apenas dois anos, pensar que a orientação divina os está atraindo para o meu caminho?

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O que uma vez fora um passeio solitário, agora é uma maratona, e o transeunte que ocasionalmente ajuda tornou-se uma multidão de voluntários que dá apoio na estação de água. Eu continuo ouvindo, eles continuam falando. Minha sede cresce, eles trazem água. Continuo correndo e eles continuam torcendo… E sem uma linha de chegada à vista.

"Glass Rose" (detail) by Andrea Bonifacio

Agora eu quero ser aquela que distribui os copos de água. Eu estou mantendo meus olhos abertos para algo novo: Quando me aproximo para falar com os brasileiros, vejo que muitos deles querem compartilhar algo de si mesmos. Alguns parecem solitários, com fome de interação; seu apetite é transmitido através da língua, com sua abertura gramatical e a disponibilidade emocional de sua cultura. Peço-lhes para me ajudar a falar a sua língua, e ao mostrar que preciso de sua orientação, dou-lhes uma oportunidade de ajudar alguém com mais fome do que eles.

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Vivo em Nova Iorque há muitos anos, mas lingüisticamente falando, sou uma estranha, e eles são os moradores astutos da cidade, confortavelmente, citando os seus mapas mentais. Eles buscam suas histórias e falam á sua maneira , e eu uso minha necessidade de aprender para ajudá-los a crescer.  No final, todos nos sentimos em casa novamente.

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Beijos,

Andrea

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