Alienigena Para Sempre

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Traduzido por Rosalia Cunha. Para inglês (escrito 2 Sep 2010, clique aqui.)

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Vivo minha vida em duas línguas de uma vez. I think, I sleep, I write, I paint, I pray, I dream. Penso, durmo, escrevo, pinto, oro, sonho.

Em ambas as línguas, online ou não, falo para duas audiências e tento me comunicar com todos os leitores; sempre mantendo os ouvidos abertos à uma concordância, uma reação, a sense of “yes”.

"I Love OEP" by Andrea Bonifacio

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Ajudo minha amiga da igreja com  seu Inglês. Ela me chama de “minha professora  querida”.

Costumava ser tudo sobre português – o meu português. Mas ela e o resto do clã da igreja Brazzy precisam de tanta ajuda quanto eu para aprender a se comunicar e sobreviver. Eles precisam melhorar seu inglês.

Então agora nos revezamos. Eu uso um timer de cozinha na forma de um pimentão amarelo. Giro o botão para iniciar o primeiro segmento de 10 minutos e começamos. Faço perguntas em inglês, escolhendo cuidadosamente minhas palavras e falando devagar, quase tão lentamente quanto falo em português, forçando-me a simplificar. É um bom exercício. Ela aperta os olhos e  luta para lembrar  as conjugações certas enquanto sorri esperançosa entre as frases. Muitas de suas respostas estão corretas, ela está melhorando todo o tempo, mas ainda é difícil, eu sei. Finalmente o sino toca – intervalo! A tensão cai de seu rosto, e minha aula começa.

"A Aula" by Andrea Bonifacio

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Os americanos ouvem sobre minhas aventuras e exclamam alegremente: “Que ótimo! Que excitante!” – e então dizem: “eu gostaria de saber falar português…”

Os brasileiros, da mesma forma: “Nossa! Que bom!” – “Então, preciso praticar inglês…”

Fico decepcionada com isso – de não conseguirmos, simplesmente não podermos aprender – no entanto, porque ainda espero que seja diferente? Você não consegue entender completamente uma viagem da qual não participou mais do que eu posso apreciar plenamente uma experiência (maternidade, por exemplo) que na verdade não faz parte de minha vida.

Estou me tornando uma pessoa diferente o tempo todo. Você também. As maiores transformações nos fazem parecer como alienígenas para o mundo e para nós mesmos.

"Space Modulator" by Andrea Bonifacio

O esforço que colocamos no processo, e nossa vontade de ser esticados, esculpidos, remodelados e, por vezes, recolocados no forno do oleiro – este é o nosso terreno comum. Aqui encontramos compreensão, compaixão e encorajamento.

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Recebi um passaporte e um visto que me permitiram viajar àquele outro país. Posso até aplicar pra cidadania se quiser. Mas eu quero mais do que documentos e acesso irrestrito. Quero uma dupla residência simultânea, estar lá e aqui. Viver nos dois lugares ao mesmo tempo.

Minha identidade espelha  meu desejo. É uma coisa nova feita de duas partes. Uma nova terra, um grande país formado por fronteiras indefinidas entre dois estados separados. É hora de tomar essa nova terra e chamá-la minha.

“Eu reivindico este planeta em nome do Bra-er … er … Ame-… espere…”

"Imperialist" by Andrea Bonifacio

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Quando eu estive em São Paulo, fiquei com a filha da minha prima e a companheira com quem ela divide a casa. As duas estão lá para completar a residência para os respectivos diplomas médicos.

Gostei de São Paulo apesar de suas mazelas. Perguntei a minha prima se ela e sua colega também gostavam. Elas responderam que sim, mas o que elas querem mesmo é terminar os estudos e voltar para Natal. Isso é o que muitos em minha família tem feito: estudam muito, investindo seu tempo nas escolas do Sul e, em seguida voltam para o Norte para se estabelecer em suas profissões, casar e seguir com suas vidas. É muito difícil – e eles não tem o menor desejo – de ficar separados do círculo: família, amigos, filhos e netos. Verões intermináveis, praias, dunas, namoradinhos de infância. Tias queridas e tios engraçados – é a casa onde mora a felicidade.

"Time" by Andrea Bonifacio

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Digo que sou americana, e isso é verdade. Digo que sou brasileira e isso é uma alegre verdade.

“Sou brasileira.” Pergunto a minha amiga Rosália sobre como ela se sente, dizendo esta frase, já que está vivendo nos Estados Unidos ha muitos anos. “Eu sou a pessoa errada para perguntar”, diz ela com um grande sorriso. “Eu sempre fui ‘Miss America.’  Tudo que eu queria fazer era viver aqui, e não quero voltar.”

Há mais possibilidades para ela aqui como uma mulher solteira. As mulheres aqui são tratadas de forma mais justa, existe menos machismo. Há uma abundância de opções de carreira que não incluem um biquini minúsculo como vestimenta e é mais seguro andar pelas ruas à noite.

Meu pastor descreve as mulheres no Brasil que sofrem muito, abusadas por maridos e outros homens, e que dispõem de poucos recursos. As normas culturais e a falta de programas governamentais tornam mais difícil para uma mulher  escapar desse tipo de vida.

Percorremos um longo caminho, mas é melhor manter os ouvidos abertos. Precisamos do testemunho de quem pode nos lembrar do que nos espera lá fora na selva.

Digo que “sou americana”, e esta é uma boa verdade.

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Às vezes uma palavra, todo um conceito simplesmente não existe em outra língua. Até agora, entre as coisas mais difíceis para os brasileiros traduzirem estão palavras como corny e tacky (brega e cafona).

Mas às vezes eles simplesmente esquecem as palavras. Na cozinha, repasso minha lista de compras. “Mamãe, Como se diz mushroom?”  “Hummm … Se eu ouvir, eu sei…”

No Museu de História Natural, um oceano de taxidermia, eu aponto para um animal com o corpo de um selo e presas de marfim. Dando de ombros, os membros do clã se viram uns para os outros, rapidamente repassando seus léxicos mentais e rindo de seus próprios palpites. Eles falam depressa mas aqui e ali, eu pego: “Não sei …”  “Não, não é isso …”  “Não me lembro … você lembra?”  “Nossa! Já estou aqui ha muito tempo …”

Espero, pacientemente. Depois de dez minutos de sobrancelhas franzidas, risadinhas, e de cabeças balançando, lembro-me do dicionário de bolso de duas polegadas de espessura que está em minha bolsa. Eu o tiro para fora e percorro suas folhas cheias de orelhas.

“Uma morsa”.

Todos riem. “Ah, sim, tudo bem!”

Coo-coo-ka-choo.

"Cogunelo e Morsa" by Andrea Bonifacio

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Estou muito acostumada a ver as coisas através minhas próprias lentes.

Observar, escrever, publicar, aguardar a resposta…. Talk, talk, talk, listen….

Silêncio… Então um clique… comentários… incentivo.

Conexão?

Silêncio total…

Alguém se habilita? Tem alguém aí?

Suspiros…

“Lembre-se,” Deus disse: “peace be with you.”

Mais suspiros…

Faça uma escolha. Obedeça. Ok, então.

Paz.

"Direção" by Andrea Bonifacio

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Minha mãe pronuncia algumas palavras em inglês como se fossem português. Eu não sabia disso quando criança, mas agora entendo: “Ahfteh-noo.” O “r” amolecido e arrastado, não soa como um “r” no inglês americano. É mais parecido com uma espátula do que com uma faca de corte. O segundo “n” escondido atrás da garganta como uma criança tímida se escondendo atrás das letras “o”. Todos os “n”s finais são tímidos, ou talvez a boca seja muito gananciosa para deixá-los sair.

É uma língua fluida e sem dureza ou arestas afiadas. É aberta, fácil e adaptável; onde o que não se tem, se inventa. Minha amiga carioca compartilhou uma história comigo: Aqui nos EUA, os brasileiros fizeram uma nova palavra: parquear (pronuncia-se “parkee-ar”). No Brasil, quando encontro um bom lugar, eu estaciono o carro. Mas nos  EUA, eu o “parqueio”.

A palavra não existe no Brasil, se você a usar, as pessoas não saberão do que  está falando.

O velho cliché de Hollywood em que os gringos fingem saber espanhol e acrescentam um “o” no final de cada palavra  afinal tem um fundo de verdade.

Isso não é uma língua. É uma ameba!

"Amoebilingual" by Andrea Bonifacio

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Andrea: Complete estas frases:

1. Tenho saudades da minha …

2. Eu quero ser …

3. Mudei porque …

4. Posso dizer que sou uma pessoa diferente …

Uma brasileira: Hummm … eu não sei Inglês para isso. Pergunte de novo mais tarde, tá?

"Espelho" by Andrea Bonifacio

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Eles querem estar aqui. Eles querem estar lá. Nossa, eu também! Mal posso olhar as fotos que quero voltar, elas são uma provocação. Foi ha muito tempo atrás. Foi ainda ontem. Quando é que será de novo?

Vejo uma bandeira ascenando e meu coração salta. Uma menina paquerada, cortejada por uma bandeira verde com uma cadência faceira, desmaiando após um verão sem fim e com uma gramática meio desleixada. Eu sei que as imperfeições estão lá mas ainda assim continuo me envolvendo.

Outra fuga virá, tão sobrenatural como a primeira. Estou ansiosa pelo momento de ser arrebatada como Phillip, dar um salto em velocidade absurda.

Please – num piscar de olhos, Senhor.

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Beijos,
Andrea

"Launch" by Andrea Bonifacio

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